Domingo, 13 de Junho de 2004

Desilusões

A minha avó costumava dizer: “Só se desilude quem se ilude.” Parece uma verdade do senhor de La Palisse, se calhar até é, mas tem-me servido para entender muita coisa durante a vida. Não que eu não me iluda. Sou como toda a gente e portanto tenho as mesmas desilusões.
Isto vem a propósito das diversas ilusões e/ou interpretações mais ou menos estranhas de que me dei conta, aqui no mundinho dos blogs e também no círculo de amigos, no que respeita a três datas que, por pura coincidência, calharam assim de seguida: o 10 de Junho, o início do Euro 2004 e as eleições para o Parlamento Europeu. Há que concordar que é muita coisa em tão pouco tempo e que é natural que tenha havido alguma tendência para misturar acontecimentos que, pela lógica, não teriam nada a ver uns com os outros.
Então, separando as águas e em português claro, gostava de esclarecer aquilo com que, relativamente aos três acontecimentos, eu me iludo ou não:

- Não me iludo com o significado do dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Sou tão patriota como qualquer outro português, amo o meu país e acredito que, estando Portugal incluído na União Europeia, não tanto por opção como por falta dela, é a partir desse facto que temos que levar este país para a frente. Obviamente também tenho consciência que incluir as Comunidades Portuguesas neste dia é algo lógico. Fazem parte da nossa realidade, tal como o império que tivemos (sonhámos ?) faz parte da nossa história. Não nego a história, tenho é que tentar entender em que medida o nosso “olhar para fora” e “dar novos mundos ao mundo” nos impediu de olhar para dentro. E considero que o futuro tem que se construir a partir daqui, deste pequeno país inserido na Europa, com a vocação de olhar para além do mar. Mas que essa vocação seja, ao menos, bem orientada e sem equívocos.

- Não me iludo relativamente ao Euro 2004 e ao significado que tem ou não para Portugal. Critiquei sempre a sua realização em Portugal. Uma vez que isso é um dado adquirido, não adianta bater no ceguinho. Para mim, o que o Euro pode ter de bom para Portugal é ser bem organizado, correr sem incidentes de maior, ser uma festa, trazer dividendos para o turismo e melhorar a imagem dum país que não deve estar muito bem no retrato com tanto escândalo de corrupção, pedofilia, etc.
Quanto à nossa selecção, não me quero iludir relativamente aos resultados, mas iludo-me como todos, afinal. E tenho as consequentes desilusões. Mas não ponho o orgulho nacional, o amor à bandeira e ao hino, a auto-estima de um país à mistura com os resultados da selecção. Futebol é futebol. Já disse um que era um fenómeno tribal. Talvez… No entanto, continuo a achar que outras metas, outros destinos a construir, deveriam unir a tribo.

- Iludi-me relativamente ás eleições. Pensei que, dada a terrível situação deste país, os portugueses aproveitariam um acto eleitoral para participar, para dar um qualquer sinal do que pensamos como colectivo. Mesmo sendo estas eleições para o Parlamento Europeu e tendo em conta que, durante a campanha, pouco se falou de política europeia…. Ainda assim, haveria razões para dizermos é (ou não é) isto que eu quero. Claro que tive a desilusão, de certa forma já antecipada. Independentemente dos resultados que, no conjunto, mostram vontade de mudança, a taxa de abstenção continuou em escalada. Sei que é assim em toda a Europa, é o problema das ditas "democracias instaladas". Mas não estará Portugal, neste momento, numa situação que justificava um exercício de cidadania voluntário e consciente? Enfim, esta é uma causa pela qual estou disposta a sofrer todas as desilusões previsíveis. E a continuar a iludir-me.

Tudo isto dito e esclarecido, resta-nos que Portugal se consiga apurar para a fase seguinte, senão para onde vão as minhas ilusões?
publicado por lique às 19:50
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28 comentários:
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 14:58
Dora: gostei muito da tua análise. E afinal também eu vou continuar iludida porque, quando a ocasião se apresentar, vou acreditar de novo que o sonho é possível. Beijinhoslique
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(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 13:36
De facto, existem momentos que parecem ter por intuito testar a nossa vontade de acreditar. Neste caso de revermos as representações que os portugueses fazem de si próprios. Os 3 eventos que enunciaste são exemplares: um dia que simboliza a "Pátria", o seu bardo maior e os que partiram, desiludidos (?) destes solos, o ínício de uma "festa" na qual o país se empenhou e, embora timidamente, se vestiu de bandeiras lusas sonhando com uma organização competente e com um brilhantismo de resultados que em muito poderá devolver-nos parte da auto-estima estilhaçada (é fútil, mas não é menos real...)e, finalmente as Eleições Europeias. Julgo que o nosso povo se sente anémico e maltratado. É mais fácil agitar um cachecol e seguir a mestria juvenil de Cristiano Ronaldo do que renunciar a alguns momentos de prazer e enfrentar uma mesa de voto, pelo menos julgo poder inferir isso.
Mas eu continuarei "iludida", lique...mesmo contra as previsões e as evidências.
Áfinal, sou uma alma lírica disfarçada de analítica, não é? :-) Boa semana para ti.Dora
(http://levementerotico.blogs.sapo.pt/)
(mailto:ledamadrugada@yahoo.com)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 13:08
Leonor: acho que é a primeira vez que comentas. Então bem vinda, volta sempre. Tens razão, eu também acho que devíamos ter utilizado o que a democracia nos dá de mão beijada: o voto. Mas há quem prefira continuar a queixar-se... até às próximas eleições em que dirão novamente que não votaram porque os políticos são todos uns ... (deixo à tua capacidade de imaginar). Beijinhoslique
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(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 13:04
maat7: e enquanto pudermos continuar a sonhar pode ser que o mundo pule e avance... Beijinhoslique
(http://mulher50a60.blogs.sapo.pt)
(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 13:03
Anomalia: não escreveste nada de mais. Foi na medida exacta :) Eu também acabo por achar que no fim todos amamos esta terra, se bem que tenhamos diferentes interpretações e formas de exprimir esse amor. Também não temos todos as mesmas prioridades... só há que aceitar. Beijinhoslique
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(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 12:02
Na realidade quando temos o pássaro na mão não o sabemos segurar.
Será que não era a melhor altura para termos usado a única arma que nos resta (o voto)?
Parabéns, continua.Leonor Dinis
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(mailto:leonor.dinis@ineti.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 11:11
" O Sonho comanda a Vida"


bjs.

boa semanamaat7
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(mailto:maat7@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 10:15
Bom dia Lique. Ilusões e desilusões...e não é disso que é feita a vida? Não se misturam águas quando se olha com lucidez para o que nos rodeia, brincamos apenas e mais uma vez embalamos os nossos sonhos, as nossas ilusões. Em relacção aos três assuntos que referes ainda que diferentes liga-os algo que é verdadeiro: o amor e o orgulho que no fundo todos temos em ser portugueses. Colocaremos nós a fasquia demasiado alta? Talvez, mas temos todo o direito de desejar o melhor e posto isto concluo: Dia de Portugal para mim será sempre o Dia do meu País e do meu Povo, o Euro2004 nada me diz em particular, não gosto de futebol e que mal empregues os milhares de euros dispendidos mas...que orgulho como portuguesa se visse a "minha" selecção levantar a taça, as eleições...não foi a abstenção a nota dominante por essa Europa fora? Talvez, só talvez...afinal os portugueses serão assim tão diferentes dos outros povos? Ah, Lique misturem-se ou não as situações o que nos une a todos, é o amor que temos a este cantinho à beira mar plantado. Desculpa lá escrevi eu demais mas és tu a culpada, colocas temas tão absorventes. Um beijo e uma semana boa para ti.anomalia
(http://anomaliaanimalia.blogs.sapo.pt/)
(mailto:anomalia.@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 09:02
adesse: é verdade e, enquanto a capacidade de nos embalarmos em ilusões novas não morrer, nós também não estamos mortos. Só corremos o risco de nos desiludirmos novamente. Beijinhoslique
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(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 14 de Junho de 2004 às 09:00
OrCa: obrigada pelas tuas palavras. Necessário é que sejamos muitos, não a pensar da mesma forma (isso seria monótono) mas a conseguir mobilizar-nos para causas que valem a pena. Beijinhoslique
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(mailto:lique2@sapo.pt)

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