Domingo, 6 de Junho de 2004

A vida de uma disquete

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Aqui onde me vêem sou uma disquete que veio parar ao gabinete desta senhora. Eu não me lembro mas algumas amigas disseram-me que, na altura em que ela me foi buscar ao armazém, estava eu ainda na minha caixa, novinha, bonita e ainda virgem , disquete em que ninguém tinha escrito nem posto etiqueta em cima. Disseram-me também que éramos poucas ali à espera que nos viessem buscar e que a senhora, que precisava de mim e das minhas irmãs de caixa para um trabalho qualquer, fez uma fita com o senhor António que não queria dar-lhe a caixa inteira. Parece que disse, um bocado irritada: “O senhor pensa que eu vou fazer o quê com as disquetes? Brincar?”
Ao princípio o nosso relacionamento foi bom. É verdade que posso dizer que ela me usou. A minha virgindade, acho que a perdi logo no primeiro dia. Depois gravou , apagou e, pior que tudo, formatou-me não sei quantas vezes. Alguém faz ideia de como a formatação é dolorosa para uma disquete? Perder as minhas memórias todas, ser completamente apagada e começar tudo de novo, sem dados sobre mim? Arrepio-me sempre quando penso nisso. E o pior é que, quando me arrepio, há sempre um ficheiro que se corrompe. E ela fica furiosa comigo. Eu é que tenho culpa?
Entretanto ela começou a trazer para o gabinete umas coisas redondas com um buraco no meio chamadas CD (o que é que quer dizer isso?). E também arranjou uma caneta estúpida que mete lá atrás no PC. Depois fica muito contente e já a ouvi dizer que aquilo é a melhor coisa para levar os dados de um lado para o outro. Também às vezes diz que os põe na rede ou manda por mail. Rede? Mail assim com esta facilidade toda? Eu já não entendo nada. Em mim deixou de pegar há que tempos! Guardou-me com as minhas irmãs numa caixa velha e para aqui estamos. Vamos conversando umas com as outras daquilo que nos conseguimos lembrar. Algumas das minhas irmãs até ficaram virgens porque ela nem lhes chegou a pegar.
Ouvi-a outro dia dizer que ia fazer uma arrumação e que tinha que deitar aquela caixa inútil para o lixo. Estava a falar da minha caixa, claro. Já viram a ingratidão? Vai-nos matar, definitivamente. Nunca mais gravaremos memórias que não são nossas mas que nos fazem viver. Será que existe alguém que faça o milagre de me inventar uma vida nova?
publicado por lique às 18:02
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De Anónimo a 7 de Junho de 2004 às 20:35
Sara: estás com o teu heterónimo lunar... Porque será que eu gosto mais "da Sara com amor"? Eu tenho um montão de disquetes em casa, no emprego... Mas, de facto, já não as uso. Então, acho que há alguma tristeza em sermos postos de lado... Beijinhoslique
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