Sexta-feira, 19 de Março de 2004
Ele era o pilar da casa. Mais que a minha mãe que, por amor e por opção, vivia muito na sombra dele. De muito pequena, lembro-me da primeira casa onde vivemos só nós, cheia de livros que ele amava e que muitos deles estavam proibidos. O dono de uma livraria da vila mais próxima guardava-os para ele antes que a censura os tirasse das prateleiras. Não entendia bem as razões que o levavam a dizer-me que algumas coisas que ele comentava em casa não eram para repetir na escola. Percebi quando foi chamado à PIDE como resultado de eu ter dito à professora que ouvíamos a propaganda da oposição no Rádio Clube Português, aquando da campanha do Humberto Delgado. Ele tinha sido um elemento activo no MUD juvenil e ,como tal, era sempre vigiado. Como podia eu saber que aquela medíocre professora substituta (era uma regente escolar, figura que penso que hoje já não existe) e também o padre da aldeia eram informadores da PIDE? Eu nem entendia bem o que era a PIDE
Todos os meus brinquedos, as minhas colecções de cromos, era ele que escolhia e trazia para casa. A surpresa daquelas chegadas era a maior alegria da minha vida de menina de aldeia que, à medida que crescia, ia lendo todos os tais livros e aspirando a sair dali e conhecer o resto do mundo. Mais tarde, já vivendo pertinho da capital, os meus presentes mais desejados continuavam a vir dele. Nessa altura, já tínhamos grandes discussões, talvez resultantes de feitios muito parecidos (têm o mesmo feitio, dizia a família toda
). O 25 de Abril foi a alegria maior e eu lembro tudo como se fosse hoje: a ansiedade todo o dia, o ouvir aquelas canções que nunca tínhamos sonhado ouvir na rádio, o ficar a pé até ás tantas à espera daquele comunicado
E ir para a rua para viver aquele 1º de Maio!
Depois eu casei-me, as netas nasceram, mas sabia que ele se preocupava com tudo o que acontecia e que era quem mais remava para manter a família unida. Morreu cedo, o meu pai, na altura em que estava a preparar tudo para se reformar e dedicar-se aos múltiplos interesses que tinha na vida. E ainda hoje, quando eu tenho problemas para os quais a solução não é clara, penso no que ele diria e, de qualquer estranha forma, espero uma ajudinha. Hoje é o dia do pai.
De Anónimo a 20 de Março de 2004 às 09:09
Oi Mis: Estou a ler o teu segundo comentário agora de manhã. Obrigada pela força. Também acho que, de alguma forma, aqueles a quem amamos sabem que assim é. Nós é que nos sentiriamos muito melhor se tivessemos demonstrado o nosso amor na altura certa. Mudando de assunto, estou a preparar uma coisa para ti, por causa de algo que escreveste no teu blog há dois dias atrás... O quê? Surpresa...lique
(http://mulher50a60.blogs.sapo.pt)
(mailto:lique2@sapo.pt)
Comentar: