Terça-feira, 30 de Março de 2004

Les triplettes de Belleville (Bellevile rendez-vous)

triplettes.jpg

Ainda não foram ver? Então, vão. Eu fui e deixo aqui a minha opinião, sem polémica nem "paixão", está prometido.
É um filme de animação. Não é um filme para crianças. Não é um filme para quem só gosta de animação da Disney e congéneres (sem qualquer desrespeito por muita coisa boa que tem sido feita nesse registo). É um pequena preciosidade (78 min.), daquelas que o cinema nos dá algumas vezes e nos leva a interrogarmo-nos como é que chegam aos circuitos comerciais, com tanta cortina de fumo visual que por aí anda. Claro que as nomeações para prémios importantes do cinema tiveram a sua influência. A saber:

Festival de Cannes 2003 - Selecção Oficial

OSCARS 2004 - 2 Nomeações: Melhor Filme de Animação e Melhor Canção

Melhor Filme de Animação
Críticos de Nova Iorque, Los Angeles, Seattle e San Diego

3 Nomeações CESARS do Cinema Francês 2004: Melhor filme, Melhor 1ªObra, Melhor Música

É um filme estranho, por vezes engraçado, com um ambiente degradado e humor negro q.b. Apela às referências da sociedade francesa dos anos 50-60 (De Gaulle, o tour de France, Jacques Tati), com momentos revivalistas do jazz/vaudeville dos anos 30 que se corporizam nos artistas que actuam no teatro de Bellevile, incluindo as trigémeas. Tem uma música que não sai do ouvido no dia seguinte (ainda a ando a cantarolar).
Pelo ambiente de thriller burlesco, pelo caracterização das triplettes, de Bruno (o cão com um severo trauma relacionado com comboios), dos americanos gordos, da mafia francesa, etc. vale a pena ir ver. E quanto mais não seja para, no meio dum filme todo falado (resmungado? grunhido?) em francês, ouvir cantar em bom português "Uma casa portuguesa" na voz de Mme Souza, a avó e heroína... Querem saber mais? Deixo o link do site oficial.


Site oficial do filme "Les triplettes de Belleville"

publicado por lique às 21:56
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Segunda-feira, 29 de Março de 2004

O sal da língua

andrade.jpg

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.


size=2>Eugénio de Andrade
publicado por lique às 21:26
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Manhã (II)

Era segunda - feira. Logo que chegou ao gabinete, ligou o computador, viu o mail e começou com a habitual lista de telefonemas, marcação de reuniões, leitura do correio que naquele dia parecia não acabar. A motivação para o trabalho tinha desaparecido naquele fim de semana cinzento. O telefone tocou. Sabia que era uma das “suas meninas” (era assim que os amigos lhes chamavam) com algum problema urgente. Esperou que tocasse três vezes até atender. Nem com elas lhe apetecia falar. Afinal era uma das filhas, também com algo muito urgente (não era sempre?). Prometeu resolver tudo, pensou para consigo que essa era uma das suas “funções” como mãe… Olhou pela janela para o campo lá fora onde, naquele dia, nem sequer havia cavalos. A visão dos cavalos livres naquele espaço dava-lhe sempre ânimo. Vá lá que o sol tinha resolvido mostrar-se. Pensou que o seu estado de alma já tinha sido descrito por muitos dos poetas que lia. Mas não lhe apetecia pensar em poemas. Disse para consigo que tinha que enfrentar a vida sem poemas e também sem grandes ilusões. Afinal já nem tinha idade para ilusões… Ah, a idade! Procurou não pensar muito nisso. Aliás, não era a idade a razão daquele desânimo. Ela sabia o quanto o convívio diário com aquela amiga lhe ia fazer falta. Custava-lhe a admitir até que ponto os outros lhe eram necessários. Habituada a ser independente, tinha dificuldade em gerir aquele sentimento de perda. A amiga ia reformar-se e, embora soubesse que podia contactar com ela, nunca mais seria o mesmo. Tanto tempo de troca de experiências, de apoio mútuo…Pensou como tudo ia ser mais complicado, sem ela. O telefone tocou outra vez. Detestava a interrupção do pensamento por algo estranho, intruso. Atendeu com um seco “estou!” e do outro lado sentiu a hesitação da voz de M. “Era para saber se queres ir almoçar connosco…”. Pensou que não, não lhe apetecia, para quê? E respondeu: “Claro, a que horas vão sair daqui?”.
publicado por lique às 12:05
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Domingo, 28 de Março de 2004

Porquê as crianças?

children.jpg

size=2>His children are far from safety; they shall be crushed at the gate, without a rescuer Job, 5:4
publicado por lique às 09:00
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Sexta-feira, 26 de Março de 2004

Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da actriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da actriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da actriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida


Edu Lobo - Chico Buarque

Porque, mesmo no limite da sinceridade possível, todos somos aqui actores ou actrizes
publicado por lique às 09:00
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