Sábado, 26 de Junho de 2004
Não que a vida seja rio
na planície ensolarada
deslizando em leito suave
para um final conhecido!
Não que a vida seja vento
nas esquinas da cidade
Um sopro desencontrado
sem saber de rumo ou norte!
Não que a vida seja sol
brilho em paredes rubras
Fogo prenhe de paixão
que o gelo azul não apaga!
Não que a vida sejas tu!
Não que a vida seja eu!
A vida é.
Quadro: Sharen Sun Eagle
Quinta-feira, 24 de Junho de 2004
Quero um poema de sol
Um raio de luz encantado
Quero um poema de mar
Onda rolando-me aos pés
Quero um poema de lua
Um clarão na minha noite
Quero todos os poemas
De palavras de esperança
De gestos de puro amor
De bailados de alegria
De mãos dadas
De amizade
Ganhámos! E que grande luta! Tinha que ser um poema de sol.
Dantes eu matava as pessoas. Dentro de mim. Quando a mágoa transbordava e a hora era chegada, o tiro era certeiro. De um dia para o outro, elas deixavam de existir em mim. Nunca entendi bem o que me levava a saber que a hora era aquela. O facto é que, uma vez consumado o acto, ninguém tinha mais poder de me magoar. Era a total indiferença. Por vezes ficava uma relação cordial. Por vezes, não.
Falo no passado porque perdi esse poder. Agora não mato ninguém. Por vezes, arrumo alguém numa gaveta onde nunca mais toco. "Nunca mais" é uma expressão maior que eu. Talvez só durante algum tempo. Até tenho dado por mim a querer ressuscitar alguns mortos. Tirando-lhes a força que tinham, claro. O passar do tempo ensinou-me que as mágoas existem porque nós as alimentamos. E que não há bons nem maus. Há gente, pessoas que vale sempre a pena descobrir. Não que dê a toda a gente o nome de amigo. Esse é sempre reservado. Dentro do jardim mais belo da minha morada.
Quarta-feira, 23 de Junho de 2004
Dentro do nevoeiro
Parti sem destino
Sem pensar planícies
Sem sonhar água
Sem querer colinas
Dentro do destino
Parti no nevoeiro
A querer horizontes
A pensar poentes
A sonhar marés
Para alcançar um abrigo
No nevoeiro do destino
Sonhei a minha partida
Terça-feira, 22 de Junho de 2004
Esta janela já não tem enredos,
ninguém por ela espreita, ninguém espera
vê-la semicerrar, semiabrir
o olhoblíquo do ciúme;
nem por ela passarão as trajectórias
do suicida e do escalador.
Romeu morreu e a doce expectação
de Julieta é comprimido sono.
Sequer uns braços nus de janeleira,
hasteada brancura, nela podem
demorar o gozo dum voyeur,
que esta janela já não serve para...
Esta janela é uma finta, é uma jogada
no xadrez de quem a pinta e assina.
Alexandre O'Neill