Sábado, 10 de Julho de 2004
basta um pouco de nada
uma pitada de coisa nenhuma
a sensação de fuga
a saudade dos ventos
o rasto de um navio
o voo gritante das gaivotas mar adentro
bastam os areais milenários
despropositadas fragâncias de maresia
nos pastos e nos rios
basta um quase nada
e a aventura nasce
o sonho levanta âncora
fundeado em águas brandas
fica a carcaça indolente do meu corpo
Luis Filipe Duarte, in Do amor e de ti
Hoje é sábado, a preguiça e o mau humor mandam-me deixar falar os poetas, sobretudo quando se trata de um amigo.
Sexta-feira, 9 de Julho de 2004
Estou farta
de Lisboa engalanada
do EURO afinal (não) ganho
(ganhámos alguns euros?)
das bandeiras
que o vermelho já é rosa
(premonição? não?)
do orgulho que temos
e não usamos
(em quê? para quê?)
do Paulo torto
do Ferro enferrujado
do Durão que já não é
(coitada da Margarida
)
dos camaradas vermelhos
dos camaradas do Bloco
E ainda
da Manuela come deficit
do Santana come mulheres
do Marcelo come livros
Até do Jorge indeciso
Farta
Alguém me diz
Que fazer com este país?
Quinta-feira, 8 de Julho de 2004
No
Abstracto Concreto, o TCA ilustrou dois poemas meus num post com este título. Quem quiser ver o magnífico trabalho dele neste post e em muitos outros, siga o
link porque vai gostar. Obrigada, TCA, pela magnífica prenda que me deste hoje e pelo deleite que é ir visitar-te todos os dias. Um beijo.
Olho muitas vezes aquele retrato a carvão que está pendurado na sala. Atravesso a linha ténue que divide a sanidade mental da insanidade. Só pode ser loucura tentar obter respostas da rapariga do quadro. Jovem, cabelos encaracolados. Não se pode notar no retrato mas iria jurar que os cabelos são castanhos claros e os olhos de um castanho que tende para o verde, em dias de cansaço. É assim que eu a imagino. Olha-me com olhos determinados de quem sabe exactamente o que quer da vida. Não tem nada para me dizer. Mas
Se conseguisse falar com ela, nalgum plano paralelo ao real, talvez lhe dissesse que as certezas dos seus olhos vão ser desfeitas pouco a pouco. Que manterá aquele ar seguro mesmo quando tudo se desmoronar, tentando apanhar os cacos e seguir em frente. Podia também dizer-lhe que a sua vida não vai ser linear nem modelar, como ela pensa. Amizades, amores, ilusões e desencantos, podia contar-lhe tudo o que sei. Podia falar-lhe das alegrias e das tristezas. Sei que ela não me diria nada. Julgar-me-ia tão somente louca.
Bom é que não haja planos paralelos à realidade ou que eu não saiba qual o caminho para lá chegar. Assim, ela mantém o seu olhar de conquistadora do futuro e eu, a minha vida. Não perfeita, não sonhada, mas somatório de experiências que perfazem o que sou.
Quadro: Sara Villa
Quarta-feira, 7 de Julho de 2004
A energia falhou. Parou o fluxo de vida das máquinas. Fez-se silêncio nos corredores, murmurado por conversas em surdina. Nas minhas mãos paira a frustração dos dedos habituados ao teclado. O relógio do telemóvel olha-me dizendo que as horas são curtas, são poucas. E, no entanto, arrastam-se.
O telefone toca, estridente, ao meu lado. Palavras, decisões expectantes da energia vital. O telefone também se calará se o tempo se tornar mais longo e paralisar tudo. Ficarão as pessoas olhando os papeis, hesitando nas canetas, desejando a libertação do sol. Lá fora.
Deixo-me pairar neste mundo estranho de silêncio sussurrado.
Num raio, o ruído sobe e quebra todo o sortilégio. Voltou a força que move todo este mundo real. Olho para o ecran que se ilumina e os dedos levam-me para as teclas que acariciam, satisfazendo o desejo de linhas a preto sobre um fundo de puro branco.