Na manhã escaldante, saí da brisa do mar para a mesma cidade de sempre. Subi as longas escadas, percorri os corredores que a beleza podia habitar se não tivesse sido escorraçada por pilhas de papéis amarelos, bafientos, contendo decisões adiadas perdidas no tempo.
Comecei a manhã de puro tédio, de insistente monotonia. Há destinos a decidir de anónimos com nome que esperam lá situados na NUT () Zona () Concelho (). Na opinião de alguns pequenos poderes ( de hoje, amanhã talvez já não) decide-se, após alguma discussão, que
neste momento não se pode tomar uma decisão.
Na volta, o sol fere-me os olhos e as cores desta cidade em festa parecem-me irónicas. No comboio, sou embalada pelo som do harmónio da pobreza deste país, original ou importada. E uma esmolinha que não como desde ontem
que tenho oito filhos para criar
que tenho sida, tuberculose, um turbilhão confuso de desgraças a toldarem o sol. Lembro-me dos outros, dos anónimos cujos nomes me passaram pela mão, esperando decisões que aguardam aqui, na cidade de sempre, em manhãs escaldantes de puro tédio.
De Anónimo a 3 de Julho de 2004 às 00:15
São manhãs em que o mundo se empoeira e pára e o sol nos esmaga de indecisão. Não te sabia pintora. Lisboa veio-me desembocar na memória tal qual a viste, tal qual a sei e não lembro já...
Nos subúrbios o tédio não tem sons. É um mar de betão sem gente, nem pobres, só remediados... Mas sente-se. Não hoje particularmente que estou em paz com o mundo... e vou dormir com uma réstia de enterdecer no olhar. Lique, gosto de textos que falam do quotidiano. Acho que devias explorar também esta vertente. Cesário teria inveja.
deSaraComAmor
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