Sempre me lembro de ter tido em minha casa aquele quadro. Parece a reprodução de um texto antigo, talvez medieval, em latim, com uma bela iluminura. Porque comprei aquela gravura e a emoldurei é algo que se diluiu na minha memória. Deve ter sido um daqueles repentes que me atacam de vez em quando
Enfim, lá está no meu quarto, na parede em frente à cama.
O pouco latim que sei não me permitiu nunca perceber o que está escrito. Talvez devesse pedir a ajuda a algum especialista, eventualmente um Deus do Olimpo sabedor de latim que aparece por aqui, para a tradução. Pelo meio, estão as palavras Alleluia
.alleluia que são fáceis de traduzir
. O resto, para mim, também podia ser chinês que o efeito era o mesmo.
Ontem à noite, para chamar o sono, estava a ver um programa qualquer num dos canais da TV Cabo (seria talvez o Odisseia
). Que programa era? Pois, era sobre animais, talvez o centésimo sobre como as tartarugas põem os ovos nas praias e como as que nascem fogem em direcção ao mar. Aquilo faz-me pena até à terceira vez. Depois começa a ser só ligeiramente repetitivo. Quando estava quase a dormir comecei a ouvir um murmúrio no quarto. Alguém falava, embora eu não entendesse o que dizia. Estava acesa a luz do candeeiro ao lado da cama mas não conseguia ver ninguém. No murmúrio distingui claramente a palavra Alleluia. Já assustada, olhei para o quadro e vi que as palavras não estavam lá. E o murmúrio adensava-se, agora mais próximo. Sabia, sem ver, que as palavras dançavam à minha volta, ameaçadoras. E eu não conseguia entender o que diziam. Precisava fazer alguma coisa, gritar
- Mãe, estás a dormir?
- Hum
O quê?
- Estavas a sonhar, agitada. E nem desligaste a televisão.
- Não foi nada, filha. Até amanhã!
Antes de adormecer, virei o quadro para a parede. E hoje vou pô-lo no caixote das coisas para deitar fora. Se alguém quiser traduzi-lo, eu dou-o, com todo o gosto.