
A D. Fátima trabalha há muitos anos no mesmo organismo que eu. É daquelas pessoas que passam por nós sem repararmos nelas. Talvez para compensar isso, fala pelos cotovelos e repete indefinidamente coisas que não interessam a ninguém (quem disse que devemos ser solidários?).
Durante estes anos todos, na minha completa indiferença, a D. Fátima não me incomodou, não me despertou curiosidade. Não gostava dela nem deixava de gostar.
Ultimamente, o trabalho que faço aproximou a D. Fátima de mim. E quando ela entra no meu gabinete com o correio, já vem invariavelmente a dizer:
- A Srª Engª desculpe, hoje isto está muito atrasado, já cheguei tarde, ontem tive que ir com a minha mãe ao hospital, isto está muito mau..
Eu não a oiço, não consigo e só respondo:
- Deixe lá, não tem importância, deixe ficar aí
Ela continua:
- Hoje não é muito, se calhar estou a atrasá-la, mas a minha mãe
isto é um problema, eu sozinha não posso tomar conta dela
Céus, que tenho eu a ver com a mãe dela ? Que mania de trazer os problemas pessoais para o trabalho
Isto não é nenhum consultório de psiquiatria.
Os meus pensamentos cavalgam enquanto ela conta todas as desgraças da mãe, da filha, do marido
Ah não, tenho que acabar com isto!
- D. Fátima desculpe, deixe-me lá o correio porque eu vou ter uma reunião daqui a bocado.
Funciona sempre. A palavra reunião é mágica.
- Desculpe, Srª Engª, pois claro mas é que isto está muito mau
E vai saindo, sem parar de dizer o quão mau aquilo está.
Quando entro na sala dela, a D. Fátima está sempre a ler a Maria ou qualquer outra revista do género. Nem se preocupa em disfarçar, poisa a revista de lado e pergunta:
- A Srª Engª quer alguma coisa?
Enquanto lhe dou os papéis que levo , vai dizendo:
- Já viu bem esta desavergonhada? Agora vem para a revista dizer que não anda com aquele loiro
aquele. Isto é tudo uma pouca-vergonha. Ainda por cima é casada! É como na televisão, já nem consigo ver aqueles programas, que horror!
Deve papá-los todos, telenovelas e reality-shows, quanto mais não seja para poder comentar! Ai, é preciso ter paciência!
- É verdade, é , a gente já nem sabe o que há-de ver ou ler, Srª Engª. Não acha?
O não acha é a minha deixa e, conforme os dias, ou digo:
- Hum,.hum
ou, quando estou excepcionalmente bem disposta:
- Mas oh D. Fátima, não acha que ele também não é flor que se cheire?
Para não me armar em compreensiva, levo logo a resposta:
- Ai, mas ele é homem, nada lhe fica mal, agora ela
Aí resolvo que tenho algo de muito urgente para fazer e saio porta fora.
Pergunto-me porque é que as D. Fátimas deste mundo me incomodam tanto, quando entram no meu círculo mais próximo. Será só porque sou uma burguesa snob e elitista, com manias de intelectual? Quem sabe
De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 21:41
MAC: Acho a tua análise correcta até um certo ponto. É verdade que a solidão é uma das razões para este tipo de comportamento. Mas é só uma das razões... Conheço muitas D. Fátimas que serão sós com muita companhia, pois têm família próxima e afastada até em demasia e têm amigas e uma normal vida social. Dir-me-ás que tudo isso não impede a solidão. Pois não, mas impediria talvez a mediocridade de espírito. O problema não é o chamar de atenção, é o estagnar total da vida, o não querer sair dali. Quanto à tua última frase, desculpa, nem li! :)*lique
(http://mulher50a60.blogs.sapo.pt)
(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 21:13
Todos somos D.ªs Fátimas, tal como fazemos também e melhor ainda, o papel de Sr.ªs engenheiras, " snobs, burguesas"....etc. Não serão os blogs a face visivel de umas tantas D.ªs Fátimas que, não encontrando à mão uma Sr.ª engenheira, física e real, desabafam e comentam aqui as suas " MARIAS" ? O problema é de todos os tempos e cada vez mais de hoje e dá pelo nome de "SOLIDÂO". Claro que todos somos pacientes e ao mesmo tempo consultórios de psiquiatria / psicologia. Mal de nós quando assim não funcionarmos. Não é com "pastilhas " ou com a " engenharia genética" que vamos fazer face a este problema social que apanha todas as classes e agora, de maneira especial, as mais elevadas. Saber ouvir, é e será sempre a grande terapia, embora seja terrivelmente dificil. As D.ªs Fátimas não se devem procurar apenas nos gabinetes profissionais, elas estão junto de nós, dentro das nossas portas, assim existam Sr.ªs engenheiras que queiram dar por elas e se disponham a escuta-las. E depois de tudo isto, resta-me dar os parabéns ao Porto, eu que até sou da BRIOSA, por uma questão de amor fidelissimo....MAC
</a>
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 21:01
Encandescente: pois acho que, se calhar, para algumas pessoas somos isso tudo. Mas, como tudo é relativo... Beijinhoslique
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 20:13
Somos duas lique, também não tenho a minima paciência para as d. fátimas, será que tb sou burguesa, elitista e intelectual? hummm...encandescente
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 17:18
Analfabeto: Cá para mim vejo-a casada mas com um sócio do Sporting! :))*lique
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 17:17
Rita: pois de facto há pessoas que fazem das lamentações uma profissão! Obrigada pela visita.lique
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 17:15
Porquinho: pois não sei,não! É que até há que fazer, mas a Maria é prioritária. E depois não sei se para iniciação à "coltura" a Lídia Jorge seria o ideal... :))*lique
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 13:55
Não não é snob ou elitista, todos temos as Dª Fátimas da nossa vida, pessoas que o vazio da própria vida as torna assim... Calculo que a senhora seja de meia idade solteira... ou casada com um egoísta barrigudo, sócio do Benfica que só lê a Bola ou o 24 Horas... esse é o vazio...analfabeto
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 13:37
Pois sim...irrtam-me à brava essas senhoras.Sempre a lamuriarem-se como se mais ninguem tivesse problemas.Rita
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De Anónimo a 5 de Maio de 2004 às 11:35
...é que a questão central (como diria o meu amigo Fernando, coleccionador medalhado de chavões políticos) reside também na formação profissional; ler a "Maria" no local de trabalho, não havendo mais nada para fazer (o que é no mínimo caricato)não será a opção mais equilibrada. Enquadrar o trabalhador em leituras mais "culturalmente formativas" em tempo de ociosidade (?!) deveria ser da responsabilidade das Admnistrações das empresas como por exemplo: «...se a senhora não tem nada para fazer hoje, leia O Jardim dos Limites, da Lídia Jorge; e queremos que à saida nos indique em que página ficou...)))))Bjs e inté!porquinho da india
(http://bertoblog.blogs.sapo.pt)
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