Sábado, 1 de Maio de 2004

Poema à mãe

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No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Boa noite. Eu vou com as aves!


Eugénio de Andrade, Antologia Breve


publicado por lique às 23:05
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24 comentários:
De Anónimo a 2 de Maio de 2004 às 10:22
lindo. só isso lindoencandescente
(http://eroticidades.blogs.sapo.pt/)
(mailto:encandescente@sapo.pt)
De Anónimo a 2 de Maio de 2004 às 01:24
n conhecia. shhh! n contes a ng.TCA
(http://riscos.blogs.sapo.pt)
(mailto:alvestc@sapo.pt)
De Anónimo a 2 de Maio de 2004 às 00:29
Magnífico...não me atrevo a comentar mais nada!Beijos e um bom dia da mãe.MWoman
(http://devaneio.blogs.sapo.pt/)
(mailto:siilvam@hotmail.com)
De Anónimo a 2 de Maio de 2004 às 00:08
Mas que lindo poema:) Este não conhecia. Bela homenagem à "Mãe";) Arrepiei-me ao lê-lo:-) Thanks:)wind
</a>
(mailto:cruzi@netcabo.pt)

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