
Ele vinte anos, e ela dezoito
e há cinco dias sem trocarem palavra
lembrando as zangas que um só beijo curava
e esta história começa no instante
em que o homem empurra a porta pesada
e entra no quarto onde a mulher está deitada
a dormir de um sono ligeiro
E no quarto, às cegas,
o escuro abraça-o como que a um companheiro
que se conhece pelo tocar e pelo cheiro
e é o ruído que o chão faz que lhe traz
o gosto ao quarto depois de uma ruptura
faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
dos dias em que um beijo bastava
E agora, da cama
vem uma voz que diz sussurrando: És tu?
e a luz acende-se sobre um braço nu
e a mulher pergunta: a que vens agora?
é que não sei se reparaste na hora
deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
amanhã tenho de ir trabalhar.
Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais
E o homem, de pé
Parece um rapazinho a ver se compreende
e grita e diz que ele também não se vende
que quer a paz mas de outra maneira
e nem que essa noite fosse a derradeira
veio afirmar quer ela queira ou não queira
que os dois ainda têm muito a aprender
Se temos...! Diz ela
mas o problema não é só de aprender
é saber a partir daí que fazer
e o homem diz: que queres que responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda...
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
e eu com ar de filme americano
Somos tão novos, diz o homem
e agora é a vez de a mulher se impacientar
essa frase já começa a tresandar
é que não é só uma questão de idade
o amor não é o bilhete de identidade
é eu ou tu, seja quem for, ter vontade
de mudar e deixar mudar
Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais
E assim se ouviu
pela noite fora os dois amantes falar
e o que não vi só tive de imaginar
é preciso explicar que sou o vizinho
e à noite vivo neste quarto sozinho
corpo cansado e cabeça em desalinho
e o prédio inteiro nos meus ouvidos
Veio a manhã e diziam
telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
que viveste uns dias assim tão brutais
e que precisas de convalescença
sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
mete um atestado ou pede licença
sem prazo nem vencimento, se preciso for
(espero que não seja preciso, porque não
sei como é que eles vão viver sem os
dois salários...)
Vá fala que o bebé está acordado
e vizinho deve estar já acordado
e o amor, pronto, também está acordado
mas tem cuidado, trata-o bem
muito bem, de mansinho
que ainda agora vai pisar outro caminho.
Sérgio Godinho
Quadro - Hegina RodriguesOrigem da imagem</p>
Porque me apeteceu recordar...
De Anónimo a 12 de Abril de 2004 às 09:31
Wind: Sérgio Godinho, o homem dos poemas extraordinários, que depois ele canta e bem! Este é bem antigo mas é talvez um dos mais belos poemas de amor que ele fez. :))***lique
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(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 12 de Abril de 2004 às 09:28
Xzip: Pois cá estou outra vez, após um descanso desta e de outras lides. Foi um tempo de tranquilidade, de sair lá para fora para o sol e para o mar, de dar atenção à família. E agora é tempo de recordar. Bjslique
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De Anónimo a 12 de Abril de 2004 às 02:18
Lique! ahhh e resolveste recordar muito bem esse outra amigo, o Sérgio Godinho, homem de letras fantásticas que, muitas vezes, nem cabem nas músicas! Isto é que é voltar "com um brilhozinho nos olhos"! E olha só que roda de amigos que aqui tens, hein? O José, a Wind, a Encandescente, o caro Xzip! Boa noite a todos...vou sentando e lendo. Pois sim, passem lá o chá que trago folar!:))** Grande Lique! Belas coisas que ofereces às vistas! Vou voltando, já estava em carência, xiça! Beijinhos.))***Misogena
(http://inocencia.blogs.sapo.pt)
(mailto:misogena@sapo.pt)
De Anónimo a 12 de Abril de 2004 às 01:39
E recordar sabe bem,e Sergio Godinho tem letras lindas e sempre pensei o oposto do que o jose duarte explicou. Duas boas razões para ter vindo, ler e aprender:)encandescente
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(mailto:encandescente@sapo.pt)
De Anónimo a 12 de Abril de 2004 às 00:32
Olá lique!
Sempre que compõe, o Sérgio diz faze-lo pela música e a seguir escrever e acertar a letra pela melodia.
Sempre que o oiço dizer isto, penso: não seria mais fácil começar pela lírica. A maioria dos compositores afirma que a música está nas palavras.
Pouco interessa.
Esteticamente é tão eficaz e tão dúctil!
Boa escolha, lique.
Fica bem:-))***Jose Duarte
(http://melnofrasco.blogs.sapo.pt)
(mailto:jpduarte@sapo.pt)
De Anónimo a 11 de Abril de 2004 às 23:35
E recordaste muito bem lique. Um Sérgio Godinho sempre intemporal:) Boa:-)wind
</a>
(mailto:cruzi@netcabo.pt)
De Anónimo a 11 de Abril de 2004 às 23:13
Finalmente a amiga resolveu voltar. E logo com recordações, daquelas que se tiram de vez em quando do bau das coisas agradáveis. Agradável é saber que está de volta e em forma. Um bem haja. :)))Xzip
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(mailto:jpft2001@sapo.pt)
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