Quinta-feira, 1 de Abril de 2004

Do amor - final

dispair.jpg


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.


Eugénio de Andrade, Os amantes sem dinheiro




Origem da imagem




publicado por lique às 09:10
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24 comentários:
De Anónimo a 1 de Abril de 2004 às 15:08
E subitamente tudo perde o sentido ... algo morre definitivamente ... beijos ***Lótus
(http://lotus1.blogs.sapo.pt)
(mailto:lotus__@msn.com)
De Anónimo a 1 de Abril de 2004 às 14:26
Gostei do poema, representa um facto real ou não... por vezes quando o dinheiro acaba também acaba o dinheiro!!!! Mas gostei na mesma.analfabeto
(http://analfabetosexual.blogs.sapo.pt)
(mailto:pp@sapo.pt)
De Anónimo a 1 de Abril de 2004 às 12:41
porquinho: pois é, nem sempre há tempo para refrescar aqui as imagens e os textos. E o senhor também não leu tudo. Diabo, é suposto estes quatro posts serem uma sequência... Tenho que explicar tudo, camarada? Agora não sei qual vai ser a penitência que te vou dar. Para já estou com vontade de ir comer sopa. Depois logo se vê...:))*lique
(http://mulher50a60.blogs.sapo.pt)
(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 1 de Abril de 2004 às 12:15
...já não era sem tempo!, voltar ao convivio com o Eugénio não tem comparação com "cada vez que vinha ao teu blog e via o ciclista, pensava: queres ver que já começou a Volta a Portugal e eu não sei?!" NOTA: também gosto muito de ciclismo (ver, não andar). Bjs e inté!porquinho da india
(http://bertoblog.blogs.sapo.pt)
(mailto:baconfrancis@netcabo.pt)

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