Segunda-feira, 29 de Março de 2004

Manhã (II)

Era segunda - feira. Logo que chegou ao gabinete, ligou o computador, viu o mail e começou com a habitual lista de telefonemas, marcação de reuniões, leitura do correio que naquele dia parecia não acabar. A motivação para o trabalho tinha desaparecido naquele fim de semana cinzento. O telefone tocou. Sabia que era uma das “suas meninas” (era assim que os amigos lhes chamavam) com algum problema urgente. Esperou que tocasse três vezes até atender. Nem com elas lhe apetecia falar. Afinal era uma das filhas, também com algo muito urgente (não era sempre?). Prometeu resolver tudo, pensou para consigo que essa era uma das suas “funções” como mãe… Olhou pela janela para o campo lá fora onde, naquele dia, nem sequer havia cavalos. A visão dos cavalos livres naquele espaço dava-lhe sempre ânimo. Vá lá que o sol tinha resolvido mostrar-se. Pensou que o seu estado de alma já tinha sido descrito por muitos dos poetas que lia. Mas não lhe apetecia pensar em poemas. Disse para consigo que tinha que enfrentar a vida sem poemas e também sem grandes ilusões. Afinal já nem tinha idade para ilusões… Ah, a idade! Procurou não pensar muito nisso. Aliás, não era a idade a razão daquele desânimo. Ela sabia o quanto o convívio diário com aquela amiga lhe ia fazer falta. Custava-lhe a admitir até que ponto os outros lhe eram necessários. Habituada a ser independente, tinha dificuldade em gerir aquele sentimento de perda. A amiga ia reformar-se e, embora soubesse que podia contactar com ela, nunca mais seria o mesmo. Tanto tempo de troca de experiências, de apoio mútuo…Pensou como tudo ia ser mais complicado, sem ela. O telefone tocou outra vez. Detestava a interrupção do pensamento por algo estranho, intruso. Atendeu com um seco “estou!” e do outro lado sentiu a hesitação da voz de M. “Era para saber se queres ir almoçar connosco…”. Pensou que não, não lhe apetecia, para quê? E respondeu: “Claro, a que horas vão sair daqui?”.
publicado por lique às 12:05
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13 comentários:
De Anónimo a 29 de Março de 2004 às 23:59
Será que se deixa de ter idade para ilusões?É quase como deixar de ter idade para sonhar...E ainda bem que contrariaste a vontade...e já agora o almoço foi bom?;) Beijo MWoman
(http://devaneio.blogs.sapo.pt/)
(mailto:siilvam@hotmail.com)
De Anónimo a 29 de Março de 2004 às 18:37
Acaso: Obrigada pela visita e pelo comentário. É um facto, acho que os amigos são o sal da nossa vida e as amizades devem ser alimentadas tanto como o amor. Não tenho muitos amigos mas os que tenho, gosto de os mimar. Qualidade vale mais que quantidade, não é ? :)*lique
(http://mulher50a60.blogs.sapo.pt)
(mailto:lique2@sapo.pt)
De Anónimo a 29 de Março de 2004 às 17:32
Eu diria que acabei de ler, um excelente texto.
E sobretudo, uma reflexão profunda sobre umas quantas temáticas que levantaste.

A somar ao trabalho, nem sempre feito da melhor vontade por razões variadas, adicione-se o papel de mãe, a ausência de alguém muito querido no trabalho...

Concluo- e não serei génio por isso - que estou em presença de alguém, que dá valor à amizade.

Um beijo e muito obrigado pela tua visita.AcasoDeLetras
(http://LetrasAoAcaso.blogs.sapo.pt)
(mailto:manintherisingsun@hotmail.com)

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